(por Maria Balé)
Qual a idade que você teria se você não soubesse a idade que
você tem?
Parece brincadeira? Não é. É pergunta de gente séria; Confúcio
(551a.C- 479 a.C), filósofo e teórico político, a figura histórica mais
conhecida na China cuja influência se exapandiu por toda a Ásia. O valor ao
estudo, a disciplina, a busca pela ordem, a consciência política, a importância
do trabalho e o culto à harmonia são lemas que o confucionismo introjetou de
maneira definitiva na História chinesa, da antiguidade, aos dias de hoje.
Confúcio, quinhentos anos antes de Cristo, milênios antes do Pitanguy, do
silicone, do botox, dos monômeros injetáveis e da marombagem sem medida, já se
via às turras com a inescapável falência de nossas células, ao longo da
existência.
Não me ocorre que o filósofo chinês estivesse preocupado com o
viés da aparência ou a cosmética de cada fase da vida. Isso é cultura ocidental
performática para a qual a idade é encarada como perda. Envelhecer, para os
orientais, é motivo de reverência. Para os ocidentais, falta de compostura,
deselegância. Que coisa feia!
Confúcio, pensador de tamanha envergadura, ao tomar a idade como
objeto de suas reflexões, filosofava sobre a questão da finitude e, no caso
dele, seu repertório de sabedoria e a extensão de seu legado.
É curioso, mas quando penso no mestre, a figura que vem à minha
mente é a do ancião, o sábio, rosto magro e barbicha rala. Custa-me pensar nele
como um menino que um dia foi, ou um adolescente e suas volatilidades. Teria
Confúcio sido tão volúvel como eu - ou qualquer outro ser ordinário -, em algum
momento de sua trajetória?
Aos dez anos, eu queria ter quinze para usar batom rosa-choque.
Quem tinha vinte e usava laquê no cabelo, já era uma velha. Aos quinze, queria
ter dezoito para assistir aos filmes proibidos para menores e fazer 'coisas de
gente grande'. Aos dezoito, agia como garotinha ou adulta, segundo o que me
convinha. Aos vinte, sonhava ter trinta para não mais me submeter a entrevistas
em seleção para emprego. Aos trinta - não carece precisar a data -, acordei
assustada, entrei em crise severa, quis fazer o trajeto de volta e ter vinte e
cinco. Para sempre. E alguém já ouviu falar em crise eterna?
O determinismo da idade, no curso da civilização, se altera a
cada tanto. Houve era em que se morria por velhice, aos trinta. Hoje se é jovem
aos cinquenta, sessenta, noventa. E a ciência assegura que, em breve, a
expectativa de vida chegará aos cento e vinte anos. Surpreendentemente, já
grande o número de pessoas no mundo que já comemoraram o seu centenário.
Biologicamente, começamos a envelhecer a partir da fecundação.
Ficamos mais velhos a cada uma das várias divisões mitóticas. O embrião nada
mais é do que um ovo idoso. Moralmente, nos acometem intermitências. Ora se
sente velho, ora se sente na mais tenra infância ou nos eflúvios da
adolescência.
Avançadas pesquisas, aliadas à avançada medicina diagnóstica,
concluem que não temos uma idade fixa. Cada pessoa tem a sua idade oficial, a do
RG, a cronológica, a física-óssea-muscular, endócrina, cutânea, a
moral-psicológica-emocional e, penso eu, entre tantas, a idade filosófica, ou
seja, aquela que acreditamos ter e à qual subordinamos nossa postura e nossa
rotina. Em síntese, nossa idade é tão plural quanto movediça.
Não raro, eu amargo a dor profunda da dissonância entre os
limites da matéria e a incontinência do espírito.
Para Facundo Cabral (1937-2011), cantor e compositor argentino,
conhecido como O Garganta de Fogo, a questão da idade é tema recorrente em sua
obra. Diz ele: do útero ao túmulo ninguém fica velho, apenas chega
primeiro. Para mim, a idade é um signo sem regência. Há dias em que sou
criança. Em outros, parece que já morri. Em instantes, danço a valsa de
debutante. E em outros, sou tão ancestral quanto as múmias andinas.
E voltando a Confúcio, qual a idade que você teria se não
soubesse a idade que você tem? Vem daí que eu pergunto: - com qual idade se
depararia alguém que dormiu, por anos, e um dia retorna de um coma? E qual seria
a idade de um corpo que abriga uma alma em festa?
~ ~
Maria Balé é fotógrafa e produtora de texto publicitário, pós-graduada em Comunicação Corporativa pela PUC de São Paulo.
Ela é cliente do Camarim há anos, daquelas clientes que viram amigas. Passa sempre para ver as novidades e dar um oi, nos presenteia com um pãozinho fresco e um sorriso largo, contagia a todos com sua simpatia e leveza, afinal, ela é um Balé com B maiusculo, rs. Convidei a para colaborar com o blog e ela topou, também esse espaço não é só para o “garimpo do dia.” Espero que vocês gostem, tenho orgulho dessa parceria.
Beijos,
Bom domingo
Maria Hilda
Lindo texto!
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