Por Maria Balé
O
que acontece contigo, Monalisa, que tristeza é essa, menina? O que te
passa, que
por teus olhos ao mundo perpassa? Já sei, a solidão veio lamber as suas
entranhas. Conheço essa saliva. Você já devia ter aprendido que solidão nada tem
a ver com falta de companhia. Solidão é a essência da condição de todo ser que
respira. Companhia é apenas um afresco, uma obra pictográfica na parede da nossa
existência. Um remédio, é certo. Jamais cura. E não adianta me olhar assim, com
essa cara de aquarela que caiu na poça. É isso mesmo, não tem muito o
que fazer. Esse seu olhar triste não muda o script; a gente
nasce só, vive só, morre só. E só, irremediavelmente só, a gente vai para o
buraco, onde uma brevidade impiedosa nos reduz a solitários ossos que por outros
ossos ficam esperando.
Ai,
que silêncio! Não gostou do assunto? É meio chato, concordo. Mas hoje,
decididamente, você não está boa de conversa. Eu também não tô lá essas coisas,
mas falar ajuda, mesmo que o outro não responda. Esvazia o vazio que se acumula.
Não sabe?
Você
ainda tem sorte. De não ter
filhos. Explico. Você tá aí, sozinha e triste, é fato, mas seu coração tá
lá, no lugar exato, do lado de dentro do seu peito. Se você tivesse um filho que
insiste em manter sigilo absoluto sobre o seu paradeiro, viaja e não deixa
recado escrito, não diz para onde foi e não atende ao celular, você teria o seu
coração, assim, como o meu, vagueando, sabe-se lá por onde. Além da solidão, a
angústia. Isso, minha amiga, é a treva.
Eu
tô aqui, pensando. Sabe, Monalisa, naquele projeto
de lei que pretende incluir na Constituição do País o direito a
felicidade? Como fez, há mais de dois séculos, Thomas Jefferson, na Declaração
de Independência dos Estados Unidos. Então, acho que não dá samba uma proposta
como essa, em tempos de lógica difusa e quebra de paradigmas.
Raciocina
comigo. No seu caso momentâneo, e no meu, a felicidade dos outros, outros estes
que são os nossos, constitui em fazer as malas e ir curtir o feriado em outras
pradarias. Pradarias, não padarias, ouça bem. Continuando o
raciocínio. Lá foram eles, em busca
da felicidade, ainda que pleonasticamente passageira. E cá estamos nós,
amargando nessa síndrome do abandono. Tá acompanhando, Mona? Não, claro que não.
Não tá acompanhando a ideia, sei disso. Tudo bem, eu entendo.
Voltando.
Por enquanto, é um projeto. Eu tô, no mínimo, curiosa. Como seria firmada essa
lei? Como seria definido o impalpável objeto a ser legislado? Quantos artigos,
incisos, emendas, cláusulas, itens, adendos, recursos e instâncias seriam
necessários para garantir que a felicidade de alguém não venha a ferir a
felicidade do próximo?
Você
tá nem aí com essas pendengas, certo, Monalisa? Sorte sua. Sorte a sua, que tudo
o que precisa, anseia, e espera, é que eu me levante da soleira desta porta e
despeje os dois copos da sua ração balanceada nessa vasilha aí, que eu troque a
sua água e dê um daqueles biscróquis em formato de tíbia que estão ali, naquele
pote, enquanto o seu dono não volta da sua viagem. Sorte a sua, Monalisa. Sorte
a sua.
Maria Balé é fotógrafa e produtora de texto publicitário, pós-graduada em Comunicação Corporativa pela PUC de São Paulo.
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