por Maria Balé
Amarílis é uma flor. Amarílis, ou açucena, floresce em sua exuberância colorida, apenas uma vez ao ano.
É uma flor a Amarilis. Esta outra é Amarilis, sem acento, tão bela quanto a amarílis, com acento, a flor que floresce, de vez em quando.
O pai de Amarilis, sem acento, farmacêutico por sustento e jardineiro como refúgio para insanidades compulsórias, não apreciava o nome científico da flor que mais gostava; hippeatrum hybridum - imagine um nome desses na certidão de nascimento - mas, como era boticário, sabia que nomes científicos nunca são conhecidos, tampouco pronunciados. Afeito ao significado das coisas, frente à pia do batismo, desejou à filha todos os signos de uma florada: altivez, elegância e graça. E assim, assim mesmo, se cumpriu, como assim o pai fervorosamente rezara.
Amarilis, sem acento, obedeceu, desde sempre, aos desígnios florais. Sua mãe, como toda beata, é sabido, se agarrou à efeméride de o caule se dividir em três e foi logo se adonando da canônica mensagem, a Santíssima Trindade. Delirava vendo a filha, em um futuro distante, como a adorada padroeira de alguma paróquia. Mãe, subtraindo-se as lunáticas, é tudo igual. Ou, quase.
Amarilis, sem acento, traz em si os predicados conferidos àquele espécime botânico: altivez, elegância e graça, embalados na aura de sua feminilidade explícita.
Flor-de-Liz, assim o japonês da quitanda, um cara com hábitos e shape de monge, apelidara a moça bonita com nome sonoro. Garantiu, inconteste, que no outro lado do mundo, onde o sol nasce primeiro, é como a flor bela e arredia é conhecida.
O italiano da Cantina Fortunata, seguindo a mesma cartilha, chamava a Amarilis, sem acento, La Beladona.
Bella Donna é o nome dado a toda espécie da flor bela e arredia, que floresce, de vez em quando, na sua amada terra das gôndolas. Não raro - seria estratégia? -, se entendia "peladona", ao que o velho Fracalanza retrucava. E não convencia.
Virgílio, o célebre poeta romano, mais velho que Jesus Cristo, contou o vigário numa conversa fora da igreja, deu o nome de Amaryllis, com ípsilon e dois elles, a uma pastora, assim como Ovídio, outro poeta, esse, latino, alguns anos mais novo que o primeiro.
Nos mitos gregos, contou o tal vigário, ninguém se lembra quando e onde, a amarílis, com acento, está associada ao deus Apolo, conhecido pelo seu orgulho.
E assim cresceu Amarilis, sem acento, cercada de lendas. E de laços de cetim cor de rosa. Suave como uma pétala, assim era Amarilis. Sem acento.
Do pai, o dono da Botica, que também vendia alguns exemplares de velas para procissões de festas religiosas, não se teve mais notícias. Da mãe beata, há desencontros. Uns dizem que faleceu. Outros que, para curar desgosto, virou freira Carmelita.
Amarilis, sem acento, vive hoje em Bora Bora. Deixou o noivo esperando na igreja e foi embora com a fotógrafa. Muito mais divertida. Adotaram uma menina. Qual será o nome dela?
Amarilis, sem acento, não se lembra do japonês da quitanda. Não se esquece é do dono da Cantina, que a chamava Beladona. Amarilis, sem acento, prescinde de ser bela. Dona, ela é. Da história.
Maria Balé é fotógrafa e produtora de texto publicitário, pós-graduada em Comunicação Corporativa pela PUC de São Paulo.
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